24 de outubro de 2012

A LEITURA DE IMAGENS: SÃO JORGE E O DRAGÃO

A rede globo nos brinda com uma novela, Salve Jorge, que evoca a figura de S. Jorge. Esse santo, muito popular em tempos passados, é motivo para diversas obras de Arte. Pela sua popularidade, a sua biografia está cercada de lendas. A mais famosa delas é a que o coloca enfrentando um perigoso dragão. Esse tema é desenvolvido pelo florentino Paolo di Dono ou Paolo Uccelo no quadro São Jorge e o dragão. Paolo Uccelo nasceu na cidade de Florença em 1397 e ali morreu em 1475. Ele pintou São Jorge e o Dragão por volta dos anos de 1455 a 1460. A pintura é encontrada hoje no National Gallery, de Londres, e considerada um exemplo da estética renascentista florentina.
O que iremos fazer é construir um roteiro para olhar (ou, mlhor, ler) o quadro, não como especialistas de arte, mas como público que se interessa pela arte como linguagem.
Ao olhar a figura, procure, inicialmente, identificar
(1) Que impressões ela causa em você? (gostou? não? Por quê? O que incomoda você como observador? O que você é levado a pensar sobre a imagem? etc)
(2) Quais os elementos que compõem a imagem? (personagens, cenário, tempos etc)
O quadro retrata uma moça com uma coroa na cabeça (será uma princesa ou uma rainha?) ao lado de um dragão que ela segura por uma coleira. Esse dragão está sangrando pois foi ferido pela lança do homem que está sobre o cavalo branco e imponente.
O cenário é exterior, vemos uma caverna que parece meio artificial, árvores, campos e montanhas ao fundo, bem como o céu e as nuvens. E, ainda que seja dia, vemos uma pequena lua lá no alto.
Embora as personagens pareçam não demonstrar sentimentos, a cena é dramática. A moça fora sequestrada pelo dragão, que a prendera no seu covil, a caverna. Deve ser uma caverna imensa, talvez cheia de outras criaturas terríveis.
Jacopo de Varazze escreveu, no século XIII, a Legenda áurea de S. Jorge, em que narra a lenda de como S. Jorge enfrentou um dragão para salvar a princesa de Trebizonda. O próprio Jacopo de Varazze, contudo, não foi o inventor da narrativa. Ele se baseou em lendas que eram comuns em sua época.
Sabemos que dragões não existem. Este animal imaginário foi representando o que há de mais assustador encontrado em outros animais: uma boca enorme com grandes dentes; ferozes garras, uma cauda longa e ameaçadora, asas como as de um estranho  morcego gigante, olhos esbugalhados e a pele verde como a de um reptil. Mas a moça não está mais com medo porque ela está sendo salva pelo cavaleiro. Ela até mesmo segura o dragão enquanto o valente herói luta contra ele. Ela apenas espera o término do combate.
As cores são vibrantes: vermelho, branco, verde, preto.  Os traços retos presentes na postura da moça ou na distribuição do mato no chão em que lutam S. Jorge e o dragão se opões às muitas linhas curvas encontradas tanto no dragão como em S. Jorge, na copa das árvores e nas nuvens no céu.
O formato algo estranho da caverna e a falta de sentimentos que encontramos tanto na moça como no cavaleiro reforçam a ideia de que o pintor não está desejando retratar a realidade. O que o pintor desejava era retratar uma alegoria. O quadro mais parece uma cena de teatro: S. Jorge, apesar de estar no meio de uma luta, está impecavelmente limpo. O mesmo podemos falar da moça, que mesmo tendo sido sequestrada pelo dragão e jogada numa caverna, está toda bem arrumada.
Na época em que o quadro foi pintado, era comum apresentarem-se cavernas desse modo como cenário de espetáculos de rua ou, mesmo, em festividades nas igrejas. Desse modo, ficava mais claro para que observa-se o quadro que se tratava de um cenário artificial, não a representação de uma realidade.
Essas personagens, o dragão, S. Jorge e a moça, não se tratam de pessoas comuns que vivem as peripécias de uma aventura, elas são vistas na obra como metáforas, ou seja, representam algo.
São Jorge no seu cavalo branco representa o bem; já o dragão, representa o mal. Ambos aparecem representados cheios de curvas, mas as curvas do dragão o deixam retorcido e levam o nosso olhar para o interior da caverna, que representa a fonte de todo o Mal. Já as curvas que compõem a figura do S. Jorge fazem com que o cavaleiro e seu cavalo pareçam ser uma figura só. Mais ainda, o cavaleiro parece continuar-se na copas das árvores, também curvas e nas próprias nuvens do céu que se espiralam em cima dele. De fato, a fonte do Bem é representada como sendo o Céu. As curvas de S. Jorge também representam bem a concentração necessária para que qualquer um de nós possa ter sucesso ao enfrentar o Mal.
Embora o dragão esteja ferido e venha até mesmo a libertar a moça, podemos imaginar que ele não morrerá. Se o dragão morresse, isso significaria que o mal deixaria de existir sobre a terra, o que não é possível. A vitória sobre o mal nunca é definitiva. A ideia que o quadro defende é que a todo momento temos de enfrentar as forças do Mal e para sermos bemsucedidos nessas constantes batalhas precisamos estar próximos de Deus, do céu, assim como S. Jorge e que para estarmos próximos das forças celestiais precisamos, como esse valente cavaleiro, de concentração. Nunca podemos nos distrair na nossa luta contra o Mal.
A história de S. Jorge e a princesa de Trabizonda foi tratada por diversos pintores. O próprio Uccelo  a retratou em um outro quadro seu, que se encontra em Paris e que podemos ver a seguir: